Artes


O Amor: em busca de conceitos




Por: Paula Ivony Laranjeira

Um sentimento milenar que promove a felicidade, mas que também pode gerar a tristeza, o amor, é figura fácil nas conversas do cotidiano, em músicas, na literatura, nas artes plásticas, no cinema, e em vários ramos da ciência. Um sentimento tão presente suscita conceitos diferentes. Mas é possível explicá-lo ou descrevê-lo? Quem poderia dizer o que é o amor?
Para tentar responder esta assertiva vamos perambular por este sentimento-aranha que envolve e prende suas presas de tal forma, que o ser capturado não queira se desprender das teias. Explorá-lo não é tarefa fácil, mas muitos são os que se arriscam. Alguns valendo-se de linguagens poéticas conseguem alcançar o sublime, pintando com suas metáforas algo palpável. Outros, apesar dos recursos linguísticos e do alcance popular que seu conceito ganha não conseguem abarcar o inenarrável significado que ele possui.
A literatura está encharcada dessa temática. Poetas e narradores nos embalam em seus delĂ­rios lĂ­ricos-amorosos. Para uns um sentimento implacável, para outros convenção, em uns causa felicidade em outros tristeza mortal. Um dos mais conhecidos conceitos descritivos do amor foi feito por Camões, que sentencia: “Amor Ă© fogo que arde sem se ver; É ferida que dĂłi e nĂŁo se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer” Tem-se neste soneto vários conceitos que subjetivamente descrevem o amor bem como seus efeitos, possibilitando ao leitor, que faz uso dos versos, sentir certa intimidade com as metáforas, alcançando o real, antes possĂ­vel somente nos delĂ­rios onĂ­ricos. Mário Quintana, nos traz outra acepção: O amor Ă© quando a gente mora um no outro”. Nisto, entende-se a segurança do estar presente fisicamente num espaço. Morar, habitar, residir em um local que nĂŁo Ă© seu, nĂŁo Ă© vocĂŞ, mas que foi conquistado, e por tal, te pertence, Ă© uma extensĂŁo sentimental-corpĂłrea recĂ­proca de si. Já para Drumonnd, “Amor Ă© estado de graça e com amor nĂŁo se paga (...) Amor foge a dicionários e a regulamentos vários”. Assim, o poeta evidencia que o amor Ă© algo gratuito, nĂŁo precisa ser correspondido, e faz bem a quem o sente, o eleva a um plano superior, quase divino. No entanto, o que mais chama a atenção, neste texto, Ă© o fato do autor anunciar que o amor nĂŁo cabe em conceitos ou dicionários. NĂŁo se explica tal sentimento, ocorrĂŞncia que Ă© reforçado por SĂŞneca “O amor nĂŁo se define; sente-se”.
Além da poesia, a literatura traz uma vertente revolucionária para as relações amorosas: o romance. Por muito tempo o amor viveu várias facetas: animalesco, idealizado, sacralizado, pecaminoso, etc. No entanto, dos ingratos acordos de família, o amor passa a ser vivido pela atração que desperta entre dois seres. Isso mais precisamente no século XIX, com o surgimento dos folhetins que leva à sociedade histórias cheias de amantes que fazem de tudo para viverem suas próprias narrativas de amor. Isso acaba sendo refletido na sociedade, gerando novas conceituações para o amor bem como uma linguagem cheia de imagens simbólicas no intuito de explicar um sentimento que ganha matizes e intensidade diferentes, mas que tem que ser vivido a qualquer custo.
Nas artes plásticas, nos deparamos com a história de amor entre os escultores Rodin e Camille Claudel. Ela, aluna e modelo, ele o mestre. Eles se apaixonam e vivem uma história de amor, como muitas, cheia de sofrimentos. Isso porque Rodin se casa com Rose, e Camille passa a ser a sua amante. No entanto, aos poucos, ele vai se distanciando até não mais procurá-la, fator propício para um desequilíbrio psicológico que a leva ao hospício, estando lá até a morte. Um amor tão intenso faz Camille expressá-lo através de seus entalhes. Assim, a arte e o amor, união belíssima, gera rebentos significativos e expressivos como os produzidos por Camille. As imagens postadas abaixo falam por si, revelam o que vai na alma de quem as produziu. Nas esculturas é possível observar a paixão, o desejo, a dor e o desespero do abandono, o que nos possibilita olhar o amor representando conceitos ora de felicidade ora de sofrimento.


 

 


Como diz HonorĂ© Balzac, “O amor Ă© a poesia dos sentidos”. Neste caso, tal sentimento perpassa o corpo, e vai sendo conceituado ou talhado pelas mĂŁos, expressando muito alĂ©m do que os olhos podem ver ou do que as mĂŁos podem deduzir via toque. Reflete o que envolve a alma de quem modelou ou de quem, defronte o bronze, aprecia.
A variedade de conceitos que abarcam o amor tambĂ©m se faz presente na mĂşsica. Nela o amor Ă© cantado nas mais variadas formas: para Djavan “vaga entre o lĂ­rio/ da luz solar/ e a agonia do quebra-mar/ forjado em ouro
tesouro/ que nĂŁo existe pra se comprar” (Sentimento verdadeiro, Djavan). Neste vagar musical, o amor busca parada na natureza: na pureza do lĂ­rio, no brilho e calor do sol, na força das águas marĂ­timas. E finalmente ganha valor superior ao ouro, metal valioso e cobiçado. Horsth e Feghali tambĂ©m tomam emprestado da natureza elementos para possibilitar uma conceituação mais eficaz do amor, para eles o amor Ă© “Tempestade de desejos/ Um eclipse no final de um beijo/ O amor Ă© estação/ É inverno, Ă© verĂŁo/ É como um raio de sol/ Que aquece e tira o medo/ De enfrentar os riscos/ Se entregar...” (Amar Ă©. Comp.: Cleberson Horsth - Ricardo Feghali). AlĂ©m dos elementos naturas, este Ăşltimo trecho chama a atenção para o fato de este sentimento retirar o medo. Quem ama corre todos os riscos, enfrenta os prĂłprios medos com a finalidade de viver este sentimento, e alcançar a felicidade. No entanto, Djavan, afirmar que o amor/amar “Ă© um deserto/ E seus temores/ Vida que vai na sela/ Dessas dores” (Oceano. Djavan). Se para Horsth e Feghali o amor faz perder o medo, para Djavan Ă© algo que causa medo, algo que se teme como o deserto. Cabe ressaltar outro conceito para o amor, presente em mĂşsicas, que chama ao palco a noção de eternidade. O amor verdadeiro será eterno, como se vĂŞ na composição de Roberto e Erasmo: “Um amor de verdade/ (...) Ă© pra sempre/ É pra eternidade/(...)O amor Ă© assim/ Eu tenho esquecido de mim/ Mas dela eu nunca me esqueço”(Amor sem limite, comp.: Roberto Carlos / Erasmo Carlos). É um sentimento nobre, que faz o amante esquecer-se de si em favor do outro. Tudo Ă© feito para o sujeito amado. PorĂ©m, cabe lembrar, que fazendo pelo outro, está fazendo por si, visto que, o gozo e a felicidade alcançada com o sublime ato de doação de si, sĂŁo recĂ­procos bem como os frutos.
Nota-se que o amor recebe conotações variadas e envolve parte do nosso sistema sensorial nesta elaboração conceitual. Assim, temos a audição (a música), visão (esculturas, pinturas e a leitura de textos) tato (escultura). Por estas vias, a expressão artística do sentimento amoroso adentra o sistema nervoso associando-o com outras infinidades de conceitos. Aos poucos, elementos variados são tomados por empréstimo do mundo real/concreto para tornar palpável um sentimento que perambula entre neurônios, células, músculos, nas esferas psicológicas ou na força imaterial que chamamos de alma, mais especificamente vivificada no órgão cardíaco. Por mais que se conceitue o amor, percebe que ainda temos a necessidade de continuar buscando uma formação frasal que nos abarque em momentos distintos, isto porque devido à individualidade e subjetividade do mesmo, as definições existentes sempre podem ser aperfeiçoadas ou moldadas às nossas necessidades.
Diante do exposto, Ă© viável o comentário de Mary Del Priore, em entrevista a revista Cult, “A liberdade sexual Ă© um fardo para os mais jovens. Muitos deles tĂŞm nostalgia da velha linguagem do amor, feita de prudĂŞncia, sabedoria e melancolia, tal como viveram seus avĂłs. Hoje, a loucura Ă© desejar um amor permanente, com toda a intensidade, sem nuvens ou tempestades. Numa sociedade de consumo, o amor está supervalorizado”. Del Priore ainda reforça, “Sabemos, depois de tudo, que o amor nĂŁo Ă© ideal, que ele traz consigo a dependĂŞncia, a rejeição, a servidĂŁo, o sacrifĂ­cio e a transfiguração. Resumindo: existe um grande contraste entre o discurso sobre o amor e a realidade de vida dos amantes.” Isso nos faz entender que apesar da variedade conceitual-poĂ©tica do amor há uma diferença entre o que se diz e o que se vive. Assim, devemos levar em contar que o amor cantado em prosa e verso pertence, muitas vezes, a um mundo idealizado, com definições idealizadas. Mas há quem nĂŁo goste de idealizá-lo?


Agora que você já leu o texto diga aí: Você já idealizou o amor?
Responda a pergunta nos comentários e leve para sala de aula outras imagens de expressões artĂ­sticas (escultura, pintura, mĂşsica, poesia, filmes e o que vocĂŞ encontrar de interessante nessa área) voltadas para o amor. 

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